sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Avaliação do desenvolvimento da abelha Uruçu (scutellaris) em área de Caatinga: vivências no Sertão do Potengi/RN

Diferentemente das abelhas africanizadas que possuem uma extremada capacidade de aclimatação...

(Figura 1 – Preparando-se para a captura de um enxame de abelha africanizada situado em um pé de Jurema)

A abelha Uruçu, assim como as demais espécies de abelhas sociais nativas são seres mais restritos e especializados às características geográficas de uma determinada região, as quais ocorrem naturalmente.

(Figura 2 – Abelha Uruçu nordestina na região dos potes de mel)

A abelha Uruçu nordestina expõe uma relação bastante abeirada com as regiões do Nordeste de maior precipitação pluviométrica, como as faixas litorâneas, por exemplo, reduto de mata mais densa e úmida - Mata Atlântica, sendo este bioma sua província natural, proporcionando as condições necessárias para o desenvolvimento de suas colônias.

Tal afirmação se confirma a partir dos estudos realizados em Pernambuco, onde evidencia o relacionamento da Uruçu com a mata mais úmida (Almeida 1974). Referenciando (Lamartine 1962) seus escritos acerca da distribuição geográfica desta espécie, mostrou que ela habita a região úmida do Nordeste. Outra observação, realizada pelo Dr. Antônio Franco Filho de Sergipe, diz-se da não ocorrência desta abelha na Caatinga. (Informações extraídas de: www.ib.usp.br/uruçu/distribuicao_geografica.htm, acesso em: 02 de janeiro de 2014).

Por tanto, não há evidências da ocorrência natural da abelha Uruçu no semiárido nordestino. A vegetação acinzentada, com predominância de cactos e plantas de galhos retorcidos e raízes aprofundadas é o ambiente, reconhecidamente austero, de seu alado morador, a nossa “Rainha do Sertão”, a Jandaíra (M. subnitda D.).

(Figura 3 – Abelha Jandaíra)

Por ocasião do III Congresso nordestino de Apicultura e Meliponicultura e III Feira da cadeia apícola realizado em Campina Grande/PB, fui surpreendido por um colega, assegurando não ser possível manter com sucesso a abelha Uruçu nordestina na região semiárida, dito isso, confirmou ter ouvido de uma professora presente no evento. Mais um dedo de prosa, lhe falei que possuía alguns exemplares desta espécie e ele, embasado na informação prestada pela professora, me pediu para que relatasse as técnicas de manejo capazes de resguardar uma espécie que não é endêmica da nossa região (Caatinga).

(Figura 4 – Manejando a Uruçu)

Em 2012, em meio à severa seca que ainda assola nossa região adquirimos três colônias de Uruçu nordestina. As conduzimos, então, até a propriedade do amigo Tita. No entorno de sua moradia existe um grande reservatório de água (se bem que neste período suas reservas estão ameaçadas devido a grande estiagem que estamos enfrentando), o que propicia a irrigação de diversas culturas olerícolas, fruteiras e uma variedade de outras plantas, além de um clima mais ameno, em virtude da proximidade da barragem, que em tempo de grandes cheias a água beira o terreiro da casa.

(Figura 5 – Barragem Campo Grande)

(Figura 6 – Cultivo de hortaliças)

(Figura 7 – Cultivo de bananeira)

Reservamos um lugar para as Uruçus sob o beiral da cocheira, distante apenas uns 10 metros das Jandaíras.

(Figura 8 – Uruçus sob o beiral da cocheira)

Foi o primeiro ponto negativo! Elas, inicialmente, não se estranhavam muito, cada uma no seu lugar sem grandes confrontos, até se irmanavam no alimentador externo! Um empurrão aqui outro acolá, mas a comida era suficiente, não havia a necessidade de disputa. Aí vieram as poucas chuvas, tivemos algo em torno de 120 mm, quando o normal é de 600; surgiram as floradas, mesmo que limitadas; elas saíram à busca de seus subsídios tróficos, com isso foram se fortalecendo, resultando na necessidade de expandir os domínios, novos territórios careciam ser incorporados ao seu império. Como a Uruçu é uma abelha que defende ferrenhamente seu espaço, batalha na certa! 10 colônias de Jandaíras pereceram diante da poderosa força mandibular e de um contingente populacional bem maior, sendo que as Uruçus enfraqueceram, pois, muitas vezes, os dois soldados sucumbiam naquilo que chamamos de abraço da morte.
Sendo assim, resolvemos construir um meliponário especialmente para abrigá-las; mais isolado; à sombra de um jucazeiro; ainda em local próximo à represa, onde são cultivadas hortaliças e uma grande variedade de plantas frutíferas e ornamentais.

(Figura 9 – Meliponário construído especialmente para abrigar as Uruçus)

Algumas vivências na lida diária com as Uruçus:

Mantê-las em local isolado, distante das outras Meliponas de grande porte, como a Jandaíra, Tiúba, Uruçu amarela, pois podem entrar em conflito na defesa de seu território;

(Figura 10 – Acomodação das Uruçus em local mais afastado)

A alimentação que utilizamos e vem dando certo é mel de Apis a 50%. A única desvantagem que elencamos é o encarecimento da alimentação, mas como produzimos o próprio mel torna-se viável. Uma observação importante feita pelo Sr. Paulo Menezes, renomado mestre das Jandaíras em nosso Estado, é que “o mel tem que ser de qualidade, caso contrário você pode está transmitindo doenças para suas abelhas”;

(Figura 11 – Composto de água e mel de Apis 50% utilizado na alimentação das Uruçus)

Alimentamos as nossas Uruçus apenas no período da estiagem. De 15 em 15 dias colocamos dois bebedouros de Sabiá com o mel diluído em cada colônia. Obs.: mediante necessidade, não fornecemos alimento para estocagem, apenas para consumo imediato. Quando do surgimento das primeiras floradas cessamos o fornecimento;

(Figura 12 – Alimentação ofertada)

Mesmo diante de florada abundante elas não produzem mel em quantidade significativa, lembramos que o Sertão não é seu habitat natural, apenas para a sua subsistência, mas suas famílias se desenvolvem muito bem, fornecendo bons discos para divisão;

(Figura 13 – Colônia de Uruçu com bom desenvolvimento da área de crias)

Nossa região situa-se no perímetro de transição de Agreste para Sertão, por conseguinte, temos uma maior precipitação do que as regiões do Seridó, Central, Oeste, que são mais castigadas pelos efeitos da estiagem, onde as Uruçus sofreriam bem mais;

Nosso amigo Tita observou por diversas vezes a Uruçu se deleitando da umidade durante a irrigação das hortaliças, esta permanecia, segundo o Tita, estática nas folhagens da alface, não sabemos se coletando água, ou se refrescando um pouco;

(Figura 14 – Área de Caatinga da região Seridó, onde dificilmente as Uruçus se adaptariam)

Durante as divisões utilizamos três discos de crias, mel de Apis diluído, como exposto anteriormente, e uma mistura de cera de Apis com cera de Jandaíra, sendo que o pólen ela dá seu jeitinho. Das três colônias que adquirimos inicialmente já fizemos mais cinco divisões, todas com sucesso;

(Figura 15 – Realizando a divisão das famílias)

Acreditamos que o fator proximidade da água, onde propicia o desenvolvimento de diversas culturas agrícolas irrigadas, na cercania onde as Uuruçus estão instaladas tem contribuído expressivamente para a manutenção destes exames em área de Caatinga. Elas não dão o espetáculo esperado, mas nos alegra quando saem ao alvorecer, na busca incessante pela sobrevivência e retornam com suas cestinhas carregadas, garantindo o sustento da família e a perpetuação da espécie.

Sabemos e somos conscientes que a manutenção de espécies de abelhas nativas em região em que não ocorrem naturalmente não é regulamentada por lei, exceto, quando a finalidade diz respeito a fins científicos, mas, estudamos nossas abelhas apenas quando estamos vinculados às universidades “possessoras” do saber? O conhecimento popular não é válido? Nossa dedicação exclusiva, vivenciando e descortinando novos conhecimentos a cada dia não podem ser incorporadas a novas teorias? Fica a reflexão.

(Figura 16 – É necessário criar uma legenda!? Simplesmente fantástico!)

Cuidemos para que num futuro não muito distante recordemos das nossas abelhas sem ferrão, apenas por meio dos registros fotográficos e das histórias perpassadas ao longo das gerações!        

Um grande abraço,
São Paulo do Potengi/RN, em 03 de janeiro de 2014.

João Paulo Evangelista de Medeiros
Meliponário Campos Verdes